quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Educação: A arte de atear o fogo!

A propósito do pensamento de Montaigne «A criança não é uma garrafa que há que encher, mas um fogo que é necessário atear.», lembrei-me de alguns autores que ao longo da história das ideias e da educação se aproximam desta necessidade de “atear o fogo” para que nas nossas crianças desperte e floresça o interesse e a motivação pelo conhecimento e pela aprendizagem desse conhecimento. Para desalento dos que lutam pela qualidade do ensino, olhando no horizonte, verificamos que a arte de atear o fogo nem sempre tem sido bem conduzida ao longo da História da Educação. Ora vejamos:

Desde a antiguidade que as preocupações com a Educação, nomeadamente, como se aprende, estiveram nas preocupações dos grandes pensadores. Por exemplo Platão na República diz-nos: “Quem é livre não deve aprender ciência alguma como uma escravatura. E que os esforços físicos, praticados à força, não causam mal alguma ao corpo, ao passo que na alma não permanece nada que tenha entrado pela violência. (…) Por conseguinte, meu excelente amigo, não eduques as crianças no estudo pela violência, mas a brincar, a fim de ficares mais habilitado a descobrir as tendências naturais de cada um.” (536e-537a).

Esta ilustre sentença foi reiterada ao longo de séculos e entronizada com especial insistência na nossa época. Nos últimos anos, na escola pública foram-se infiltrando teorias e modelos que valorizavam a instrução com a contrapartida da gratificação. Expressões como “aprender brincado” ou “aprendizagem lúdica” preencheram as preocupações das escolas e dos professores. Transformar o conhecimento em aprendizagens que proporcionem prazer tem sido uma preocupação levada ao exagero (1).

A formação dos professores e as medidas educativas dos últimos tempos estão impregnadas destes modelos e métodos pedagógicos que integram o lúdico e o prazer das crianças (2) que, em muito, têm conduzido o ensino pelo caminho do facilitismo, do prazer, da relativização das aprendizagens, de que tudo tem o mesmo valor, o que não é verdade. Uma das bandeiras do ensino na actualidade é também a contextualização das aprendizagens. Se a contextualização pode fazer algum sentido como ponto de partida para ver o que sabe o aluno de um determinado conteúdo, por seu lado, não faz qualquer sentido como ponto de chegada.

Quero dizer com isto e corroborando com outros autores, os alunos vão à escola para aprender o que não os ensinam noutros lugares (Damião & Festas, 2006, Savater, 2006). Como alude Savater “o propósito do ensino escolar é preparar as crianças para a vida adulta, e não confirmá-las em regozijos infantis. E os adultos não se limitam a jogar, mas, sobretudo, esforçam-se e trabalham.” (Savater, 2006, 108).

Quero apenas acrescentar à ideia anterior que não há métodos ou modelos de excelência a tal ponto de adoptarmos um em exclusividade, em detrimento de outros, de experiências válidas e comprovadas científicamente. Harmonizar, talvez seja uma boa opção. No próximo post veremos outros caminhos que alvitram essa arte de atear o fogo nas nossas crianças.

(1) Explicarei em outro post porque considero que se levou ao exagero a aplicação destas medidas e métodos pedagógicos que apontam para a perspectiva lúdica do ensino. Em grande parte foram eles que conduziram ao estado actual do ensino aprendizagem. Basta recordar a sondagem publicada na passada 5ª feira (28.5.2009) na Revista Visão de onde ressalta um dos factores que mais tem contribuído para a menor qualidade da educação «os alunos não querem estudar» - 40,2%. Se eles não querem estudar, não dá que pensar? O que os conduziu até aqui a este estado de desprezo pelo estudo, pelo esforço, pelo conhecimento?

(2) Montaigne, um acérrimo defensor de que era inadmissível estímulo em matéria de ensino que não fosse o prazer do neófito. Entre muitos outros, Freinet e Maria Montessori também integram a perspectiva lúdica nos seus métodos pedagógicos.


Bibliografia consultada:


DAMIÃO, M. H. & FESTAS, M. I. (2006). Contextualização e relativização das opções curriculares: impacto nas (des)igualdades de oportunidades. Comunicação ao VII Colóquio sobre Questões Curriculares, Universidade do Minho – Braga.

SAVATER, F. (2006). O valor de Educar. Lisboa: Dom Quixote.

 
*************************
 
Matéria publicada no blogue Revisitar a Educação abordando a questão do despertar e florescer o interesse e a motivação das nossas crianças para a aprendizagem

Fonte: Revisitar a Educação

Cantigas de roda na sala de aula

As histórias infantis e as cantigas de roda, inclusive o Atirei o pau no gato, fazem muito mais por uma criança do que apenas entreter.

O desenvolvimento da fala, e consequentemente da interpretação e produção de textos, evoluem no compasso dos diálogos com os pais e das brincadeiras verbais da infância. É o que mostra uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) com crianças do ensino fundamental. O estudo é endossado pela presidente do Conselho Regional de Fonoaudiologia, Cláudia Mara Graça, que trabalha no tratamento de alunos com dificuldade de aprendizado.

Doutor pela faculdade de educação da USP e coordenador da pesquisa "Alfabetização e leitura a partir da oralidade", Claudemir Belintane mostrou a professores da rede pública do Rio, em um seminário recente, o resultado do estudo feito durante um ano com 40 crianças de primeira a quarta série de escolas da periferia de São Paulo. Os alunos não alfabetizados ao longo dos quatro anos - "um número alto", nas palavras de Claudemir - apresentaram dificuldade de memorização e narração de histórias simples, como lendas e contos, "indicados para crianças de idade inferior".

- Nesse período, houve uma melhora da comunicação oral muito precária. São alunos mais predispostos à fala comunicativa do que a qualquer tipo de texto.

Ao contrário da fala, que é fragmentada, os textos apresentados aos alunos possuíam início, meio e fim, assim como rima, jogo de palavras, trocadilhos, brincadeiras e outros recursos estéticos, que os estudantes tinham dificuldade de assimilar, embora, normalmente, sejam memorizados junto com a apreensão da linguagem, a partir dos 2 anos.

- A oralidade não se fundamenta na conversa cotidiana. É produto do conjunto de histórias, lendas, advinhações e rimas infantis. São habilidades de linguagens que preparam as bases para a escrita - define o pesquisador.

Em nenhuma criança do grupo foi diagnosticado problema neurológico.

Muitas, porém, têm problemas familiares "sérios, que geraram questões psíquicas profundas", como abandono, falta de atenção e maus tratos.

- São crianças que não recebem a carga de linguagem dada a outras.

As pessoas se comunicam com elas no imperativo: se manda, sai fora, cala a boa etc explica. - As que desde cedo brincam com a palavra, ouvem cantigas de ninar, que têm um tratamento estético, conseguem desenvolver uma linguagem muito mais rica.

À medida que a criança se afasta da primeira série sem ser alfabetizada, se torna, proporcionalmente, mais reticente à escrita. Um agravante é a troca das fontes de cultura oral, antes as brincadeiras de roda e a família, pela mídia e a indústria fonográfica, por meio de programas de TV e DVDs nem sempre educativos. O método proposto por Claudemir aos professores para resgatar o interesse e melhorar a oralidade dos alunos é a brincadeira presencial.

- Empregamos uma estrutura de ensino que recomponha a deficiência em todas as aulas, até os 5 anos. As cantigas preparam as bases para o gosto pela palavra e pela leitura, as entrada da escrita - defende.

A presidente do Conselho Regional de Fonaudiologia, Cláudia Mara Graça, usa brincadeiras, jogos e cantigas de roda como recursos terapêuticos para tratar distúrbios de aprendizado, problemas de linguagem, leitura e escrita.

- As cantigas têm uma sequência musical associada a movimentos que estimulam a fala, a percepção auditiva e do corpo - ressalta Cláudia, que cita, entre outros, o Escravos de Jó, por causa da sequência de movimento, de regras de linguagem e estímulos à coordenação motora. - Os professores devem usar essas brincadeiras.